quarta-feira, 12 de junho de 2013

NAS TRAMAS, PELAS ENTRANHAS, DAS REDES SOCIAIS, POR PRINCÍPIOS, POTENCIAL, REAL-VIRTUALMENTE


Novos elos sociais:
a internet como espaço democrático (?!)
(?!) Grifo nosso
 
 
(...)O que me impressionou é a mudança, ao longo do século XX, do estatuto do nômade. No começo do século que passou, o nômade parecia estar fadado ao sumiço. Qualquer manual diria: começou-se pelo nomadismo e depois, com a conquista da agricultura, chegou o ser humano, há milênios, a um tipo de sedentaridade. E fomos nos tornando cada vez mais sedentários, com a experiência urbana que fortaleceria essa fixação, esse enraizamento, já nem mais diretamente no chão, mas no cimento, no paralelepípedo ou no asfalto.
Ao mesmo tempo, o nômade funcionava, no começo do século XX¸ como uma espécie de sonho. Lawrence da Arábia é o grande sonho de um inglês que se decide pelo nomadismo árabe. O filme sobre ele teve um sucesso notável porque captou muito bem esse espírito(...)um processo de sedentarização que parecia irreversível.
(...)O sedentário hoje em dia é criticado, desde as questões da saúde, dos cuidados com o colesterol, dos cuidados com o corpo até mesmo às opções ou orientações afetivas. E começo por aqui porque me interessa trabalhar com vocês o que pode ser uma política que leve em conta vínculos mais nômades, mais leves, mais soltos do que os que foram construídos ao longo da modernidade. Uma distinção corrente entre a política grega e a moderna afirma que a política antiga é das virtudes e a moderna é dos interesses. É claro que assim se exclui, do "antigo", tudo o que não seja uma pequena cidade na Grécia, Atenas, e uma pequena cidade na Itália, Roma. Ninguém fala em política antiga para se referir à Índia ou a China, que eram muito mais povoadas; esse é um recorte que se faz. Mas de modo geral se pensa que a democracia ateniense e a república romana partiam de uma valorização do bem comum em detrimento dos desejos e interesses particulares.
Defender a causa pública significava, quer na forma democrática, quer na forma republicana, um sacrifício constante das preocupações pessoais(...)
Passemos agora ao que mais nos importa aqui, a conseqüência dessa idéia de interesse ou vínculo para outro sentido da palavra interesse, que é o afetivo: essa idéia no fundo está vinculada a uma identidade baseada num ponto só. Para Hobbes é a defesa da vida. Todo ser humano tem interesse em defender a vida. No caso dos pensadores mais recentes, é o interesse econômico, que vai escorar um sujeito da política moderna a ser entendido a partir da sua posição de trabalhador, de empresário. Tanto o capitalismo quanto a crítica marxista ao capitalismo situam as classes ou as pessoas em relação ao modo de produção, e daí inferem os interesses. Vejam aquele texto notável, embora hoje pouca gente lhe dê crédito ou crença, que é "A consciência de classe", de Lukács, datado de 1920. Entre duas posições fortes, as do operário e do burguês, temos posições fracas, oscilantes, denunciadas, que são a do camponês e a do pequeno burguês. A palavra "pequeno burguês" é quase insultuosa. Não é uma descrição, é quase um insulto. O pressuposto são posições sociais fixas(...)A identidade vem como um pacote, sempre ligado a um elemento de interesse que é o que permite a conexão com o outro. O elo com o outro está marcado pelo interesse. Podemos nos iludir e dizer que o elo está vincado pelo amor ou pela fé, mas essencialmente o que construía esses elos era o interesse, o que deu força à forma política moderna.
Lidamos aqui com outra idéia de identidade. Como trabalhar o elo social numa sociedade em que estão se dissipando essas ancoragens fortes que a modernidade construiu? Surgem, ao lado delas, outras ancoragens tão importantes ou mais, que geralmente remetem ao mundo do afeto.
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Daí decorrem certas conseqüências, do ponto de vista político. Vou tratar de duas experiências que tive nos últimos meses, ligadas a algum uso de site para pensar o elo social. A primeira foi um curso de pós-graduação que dei no primeiro semestre na USP, chamando-se A cultura pela cultura. A idéia era pensar a cultura no sentido de cultura política, através de alguns significantes poderosos da cultura, como mass media ou alta cultura. Usei análises que tinha feito de algumas obras de arte ou literatura, mas que não são críticas estéticas ou literárias, e sim tentativas de captá-las como signa temporum, como signos do nosso tempo. Por exemplo, estudei o filme Mogli, de Disney, do ponto de vista da identidade. Nesse filme, há uma teoria da identidade que é expressa pela pantera Bagüera e pelo tigre que quer comer o menino, segundo a qual a identidade é natural e ninguém foge à de sua espécie – portanto, Mogli é humano. E há outra teoria, expressa especialmente pelo urso Balu, segundo a qual você pode tornar-se o que você quiser, tornar-se urso se aprender a dançar, a brigar e a gingar como urso, tornar-se macaco ou abutre. A questão no horizonte do curso era: Como está o elo social? Como aparece em Mogli, nos contos "A hora e a vez de Augusto Matraga" en "O famigerado", ambos de Guimarães Rosa? É algo arbitrário dizer que um significante é poderoso, mas dá para intuir a relevância dessas obras. Contudo, o que estava difícil, embora a classe estivesse interessada, era a efetiva participação dos alunos. Consegui deflagrar uma atuação boa deles quando criamos um site do curso. A idéia inicial era que, ao terminar o curso, os trabalhos dos alunos fossem entregues, de público, ao site – mas, para não deixar a coisa só a posteriori, decidimos disponibilizar nele textos ou imagens de quem quisesse. Dez ou doze alunos colocaram seus textos, e num caso pinturas e fotos.
Isso, que ocorreu na metade do curso, representou um corte. O contato com os alunos ficou forte, a tal ponto que eles não queriam mais terminar o curso. Fomos dando-lhe continuidade após as doze aulas de praxe, chegamos a quinze, até que julho nos interrompeu. Mas foi interessante, porque falando do elo social, discutindo este contato efêmero e pouco duradouro, vivemos o que dizíamos: aquela turma nunca mais vai se reencontrar enquanto turma.(...)
Na navegação há o equivalente à caça: estamos seguindo uma trilha, encontramos uma pista e passamos para outra, de um link tomamos outro e assim procuramos. Nessa procura recebemos muita resposta de gente maluca, isso é inevitável. A maluquice é constante, e é fabuloso: porque toda a política do interesse é construída para excluir a loucura da política. (...)
Ora, o significativo no acesso via internet é que entramos em contato com a irracionalidade, com a loucura(...) assim se abrem contatos que passam pela surpresa: novos vínculos, novas ligações, novas maneiras de pensar – e isso representa uma contraposição importante a uma política que está baseada na aliança entre interesses. Nesta última, prometo tal coisa a seu grupo, a sua região, e assim diminuo a imaginação. Penso que uma campanha via Internet abre espaço para prodigar idéias.
(...)Um tanto adepto da presença, receei o horizonte de novas relações, de amizade ou amor, sem a presença física das pessoas(...) hoje isso me parece muito interessante pelas potencialidades que traz, e diria que, ante o enfrentamento entre uma visão da internet que privilegia o lado business, que é a que mais aparece na mídia, e uma internet que privilegia seu lado democrático, aposto na segunda – que permite reduzir a desigualdade. A própria diferença regional num país como o Brasil, hoje, pode e deve ser enfrentada pelo acesso ao conhecimento que se tem de qualquer lugar(...)
O desafio é construirmos um discurso social que seja fecundo. Ora, para ele ser criativo e produtivo as coisas devem poder ser ditas de público. Devemos eliminar o mau hábito brasileiro de que a verdade é sorrateira, escondida e maledicente;(...). É isso o que significa dar importância às idéias: é considerá-las produtivas, capazes de gerar um ambiente de debates e criação.
(...) A imprensa era até algumas décadas atrás o espaço pelo qual o elo social se produzia. Vemos aquelas pessoas diante da banca ou do jornaleiro – e esses estranhos comentam, entre si, a notícia. Forma-se um elo social mínimo entre pessoas que nunca se viram e provavelmente nunca vão se rever, mas reagem diante de uma notícia que impacta a sociedade toda. Podem até ter reações diferentes à notícia, mas ela estabelece um denominador comum entre elas. (...)Pois bem, esse papel se esvaiu. Cada vez conheço mais pessoas que não lêem jornal. Colegas meus já não o lêem. Informam-se das coisas, mas não se informam pela imprensa.
Diante disso, é relevante construir vínculos mediante um veículo que não requer todo o custo industrial e, por conseguinte, o investimento de capital de que a imprensa necessita. O jornal e a TV requerem um capital que é notável e que, portanto, faz disso já um agudo fator de desigualdade social. Em suma, a questão que quero suscitar é: como podemos apostar em novos elos, sabendo que muitas vezes não vão ter duração, como num curso – mas como podemos fazer que a intensidade deles, quando ocorrem e mesmo não sendo presenciais, que essa intensidade revigore o vinculo social? Todos nos queixamos do enfraquecimento do vínculo social. Quem estuda a criminalidade diz que o fortalecimento do vínculo social é excelente antídoto contra ela, contra a degradação da vida social. Como fortaleceremos o elo social sem ser pela simples nostalgia de formas que dificilmente vão voltar, mas pensando no novo, pensando em elos que, em sendo nômades, nem por isso precisam ser fracos?
Este artigo é uma transcrição, revista pelo autor, de sua fala no Seminário Culturas Jovens e Novas Sensibilidades, realizado entre 19 e 21 de agosto de 2003, na Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro

 

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