05/12/2012 - Morre, aos 104 anos, o arquiteto Oscar Niemeyer faleceu nesta quarta-feira, dez dias antes de completar 105
anos
Niemeyer, o arquiteto
que driblou a ditadura
O artista das formas ousadas e dos monumentos repletos
de curvas nunca escondeu suas posições políticas. Oscar Niemeyer dedicou a vida
a duas de suas grandes paixões: a arquitetura e o comunismo. De suas mãos,
saíram os traçados de projetos inovadores, como os prédios monumentais de
Brasília, mas também manifestos em defesa da democracia, cartas a amigos do
antigo partidão e inúmeros artigos em que ele não hesitava declarar: "Eu
sou mesmo um comunista". A sua ideologia sem disfarces era um incômodo e
um motivo de constrangimento para os militares durante a ditadura. Mas o enorme
prestígio internacional de Niemeyer livrou-o de prisões e de interrogatórios
mais duros.
Sobre as curvas, marca inconfundível de toda a sua
criação, Oscar Niemeyer celebrava a vida, o Brasil e a ciência. “Não é o ângulo
reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que
me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu
país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher
preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”,
declarou o gênio
A vida é um
sopro"
"Tudo tem que dá uma explicação, mediocridade autiva é uma merda"
"Existem apenas dois segredos para manter a lucidez na minha idade: o
primeiro é manter a memória em dia. O segundo eu não me lembro.
“Estou longe de tudo,
de tudo o que eu gosto,
da terra tão linda
que me viu nascer.
Um dia eu me queimo,
meto o pé na estrada,
é aí no Brasil
que eu quero viver;
cada um no seu canto,
cada um sob um teto
a brincar com os amigos,
vendo o tempo correr.
Quero olhar as estrelas,
quero sentir a vida,
é aí no Brasil
que eu quero viver.
Estou puto da vida
(essa gripe não passa!)
de ouvir tanta besteira,
não me posso conter.
Um dia eu me queimo
e largo tudo isto,
isto aqui não me serve,
não me serve de nada,
a decisão está tomada,
ninguém vai me deter.
Que se dane o trabalho
e este mundo de merda,
é aí no Brasil
que eu quero viver!”
Poema escrito enquanto estava no exílio
No documentário A vida é um sopro (2007), o diretor Fabiano Maciel revela os momentos
mais marcantes da sua vida do arquiteto. O próprio artista explica algumas
curiosidades das obras projetadas.
A Humanidade
precisa de sonhos para suportar a miséria; nem que seja por um instante.
A direita quer
manter este clima de poder, de injustiça social e de subserviência ao império norte-americano.
A gente precisa
sentir que a vida é importante, que é preciso haver fantasia para poder viver um
pouco melhor.
A gente tem que sonhar, senão as coisas não
acontecem.
A luta por uma
sociedade mais justa não pode se perder no tempo.
A miséria existe.
E a burguesia brasileira, que é das mais atrasadas, está sentindo isso na pele
pela primeira vez. A chance de mudança está aí, nesta situação-limite. E há o
inesperado, com o qual devemos contar. Um dia, lá em Paris, Sartre me disse que
gostava de ter dinheiro no bolso para dar esmola. O sujeito chegava, Sartre
dava um dinheirinho e quase agradecia por isso. Mudei minha opinião sobre a
esmola. Como dizia o padre Teillard Chardin, quando ser for melhor que ter,
estará tudo resolvido no mundo
A vida pode mudar
a arquitetura. No dia em que o mundo for mais justo, ela será mais simples.
A vida é importante; a Arquitetura não é. Até é bom saber das
coisas da cultura, da pintura, da arte. Mas não é essencial. Essencial é o bom
comportamento do homem diante da vida
A vida é mais importante do que a arquitetura
Acho muito bom a pessoa se recolher e ficar pensando em si mesma,
conversando com esse ser que tem dentro dela, que é nosso sósia, né? Eu converso
com ele a vida inteira.
Acho que escola de samba deveria servir, às vezes, como veículo de
protesto, para cantar os anseios da gente pobre. Afinal, os sambistas que
descem do morro divertem a burguesia que bate palmas, acha fantástico, mas no
dia seguinte tudo esquece
Cem anos é uma bobagem. Depois dos 70 a gente começa a se despedir
dos amigos. O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei
bem por ela.
Como explicar que cruzar os braços é um problema e que a vida dura
só um minuto?
Como o tempo tenta nos enfraquecer!
Compreendo a crítica da arte muitas vezes justa e honesta, mas sou
de opinião que o arquiteto deve conduzir seu trabalho de acordo com as próprias
tendências e possibilidades, aceitando-a sem revolta ou submissão, sabendo-a
não raro justa e construtiva, mas sempre sujeita a uma comprovação que somente
o tempo pode estabelecer.
Conjunto da Pampulha: Era um protesto que eu levava como
arquiteto, de cobrir a igreja da Pampulha de curvas, das curvas mais variadas,
essa intenção de contestar a arquitetura retilínea que então predominava.
Costumo dizer aos estudantes de Arquitetura que não basta sair da
escola para ser bom profissional. O sujeito tem de se abrir para o mundo e não
ficar atrás da visão estreita dos especialistas.
De Pampulha a Brasília eu segui o mesmo caminho, preocupado com a
forma nova, com a invenção arquitetural. Fazer um projeto que não representasse
nada de novo, uma repetição do que já existia, não me interessa. E nesse
sentido, até Brasília eu caminhei. Mas senti que tinha que explicar as coisas,
às vezes não era compreendido, que havia mesmo uma tendência a contestar essa
liberdade de formas que eu prometia.
Desejo ver um mundo melhor, mais fraternal, em que as pessoas não
queiram descobrir os defeitos das outras, mas, sim, que tenham prazer de ajudar
o outro.
Enfim, pude conviver com verdadeiros patriotas. Brizola,
preocupado com a formação das crianças, levou adiante o projeto de Darcy de
construir os CIEPs. Do ponto de vista da Arquitetura, os CIEPs não tinham
importância. Do ponto de vista social, tinham. Hoje estão por aí, abandonados.
Enquanto existir miséria e opressão, ser comunista é a solução.
Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que
sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que
compreendam o valor das coisas simples e puras um gesto, uma palavra de afeto e
solidariedade.
Estamos otimistas, o mundo está mudando, o império velho de Bush
está desmoralizado. Acho que o mundo está melhorando. O Capitalismo está
desmoralizado, e essa reação é natural.
Estou me lixando para o cliente.
Eu diria que sou um ser humano como outro qualquer, que vim. Deixo
a minha pequena história que vai desaparecer como todas as outras.Fiz o que quis. Juscelino Kubitschek nunca me disse para projetar
cúpulas no Congresso, rampa no Planalto, parlatório - Até que ficou direitinho.
Se não houvesse parlatório, os presidentes ficariam acenando para o povo de uma
janela, como se fossem papas. Seria ridículo.
Há o pessimismo que bate quando estou sozinho e penso no mundo.
Mas se é para ir a uma festa em que há mulheres bonitas, o pessimismo
desaparece. A vida está correndo. Tenho momentos de tristeza, de prazer, de
saudade... Faz parte.
Lembro-me da noite em que Fidel esteve em meu escritório. Convidei
amigos e, à meia-noite, quando ele ia embora, o elevador enguiçou. Para pegar o
outro, ele teve de passar pelo apartamento de um vizinho, que até hoje conta
essa ocorrência com certo orgulho. Dá para imaginar o susto do casal ao abrir a
porta e dar de cara com o Fidel? O único comunista que mora nesse prédio sou
eu. Mas, quando Fidel saiu, o edifício todo estava iluminado e o pessoal batendo
palmas. Dizem que é preciso a noite para surgir o dia, e foi isso que aconteceu
com Cuba.
Lógico que ainda acredito no Comunismo. Não sou cretino. É uma
idéia que está no coração de todo mundo.
Mais importante do que a Arquitetura é estar ligado ao mundo. É
ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça,
indignar-se contra a miséria. O resto é o inesperado; é ser levado pela vida.
Meu avô, que foi ministro do Supremo Tribunal, morreu sem um
tostão. Inclusive a casa em que a gente morava estava hipotecada. Sempre tive a
idéia de que o dinheiro não vale nada. Achei bonito ele morrer assim. Já disse
que teria vergonha de ser um homem rico. Considero o dinheiro uma coisa
sórdida
Na rua, protestando, é que a gente transforma o País.
Nem os meus amigos, que me ajudaram muito, como o JK, entendiam.
As pessoas viam os projetos e diziam: que bonito! Mas não estavam entendendo
nada.
Nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua
história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua.
Nunca acreditei na vida eterna. Sempre vi a pessoa humana frágil e
desprotegida nesse caminho inevitável para a morte... Às vezes, muito jovem, o
espiritismo me atraía, logo dissolvido pelo materialismo dialético,
irrecusável. Se via uma pessoa morta, meu pensamento era radical. Desaparecera,
como disse Lacan, antes de morrer. Um corpo frio a se decompor, e nada mais.
Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais
compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição
ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não
permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades.
Não acredito em momento de glória: somos insignificantes demais
para pensar nessas coisas.
Não acredito em uma Arquitetura ideal, insubstituível; somente em
boa e má arquitetura. Gosto de Le Corbusier como gosto de Mies, de Picasso como
de Matisse, de Machado como de Eça.
Não existe Arquitetura bonita ou feia. Existe Arquitetura boa e
ruim.
Não leio nada do que escrevem sobre mim, embora existam 30 ou 40
livros. Prefiro ler um livro de Georges Simenon.
Não posso me queixar. Até que tenho tido trabalho.
Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura,
inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A
curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é
feito todo o Universo - o Universo curvo de Einstein.
O Bush, no fundo, é um idiota que tem as armas na mão, e delas se
serve para levar o terror às áreas mais desprotegidas. Representa o
Capitalismo, que, decadente, tudo faz para subsistir.
O homem tem de ser modesto; tem de olhar para o céu.
O importante não é sair da escola como profissional competente,
mas estar consciente dos problemas da vida, desta miséria imensa que precisa
ser eliminada.
O mais importante não é a Arquitetura, mas a vida, os amigos e
este mundo injusto que devemos modificar.
O que nós queremos na Arquitetura com a mudança na sociedade não é
nada especial: as casas de luxo vão ser menores. Os grandes empreendimentos
urbanos... vão ser maiores ainda porque todos deles vão participar.
O ruim de Brasília é que quando a gente chega lá percebe que a
cidade está inacabada.
Os caminhões de operários vinham de toda parte do Brasil querendo
colaborar, pensando que iam encontrar a terra da promissão, e estão lá nas
cidades satélites, tão pobres quanto antes. Não basta fazer uma cidade moderna;
é preciso mudar a sociedade. Isso é que é importante.
Palácio do Planalto: Eu queria, neste caso, fazer uma coisa nova,
mais variada, com formas mais livres, criando ponto de vista diferente.
Patriota é quem defende o patrimônio nacional. É lutar pela
Amazônia. Os americanos estão voando sobre nossas riquezas porque a Amazônia
faz parte do plano deles. Até os militares no Brasil estão contra isso.
Pergunta de Geneton Moraes Neto: Aos 100 anos de idade, como é que
Oscar Niemeyer definiria a vida, em uma só palavra? Resposta de Oscar Niemeyer:
Solidariedade.
Praça dos Três Poderes: Eu não me preocupava com a opinião de
ninguém eu não via livro de arquitetura.
Projetar um conjunto de prédios é sempre estimulante, apesar de
mais complexo, porque as formas de um têm a ver com as de outro, formando a
unidade arquitetural. O projeto de Niterói está bem resolvido. É um conjunto
que se abre para o mar, com uma vista fantástica e uma praça sem igual no
Brasil. É importante fazê-lo.
Quando Juscelino Kubitschek me procurou, na minha Casa das Canoas,
pedindo que eu ajudasse a ele na construção da nova capital, eu fiquei
entusiasmado, era uma obra que me interessava e ia ajudar a um amigo que
acompanhava há muito tempo. Eu já não tinha preocupação em dar explicação a
ninguém, já me sentia a vontade para fazer o que bem entendia.
Quando a vida se degrada e a esperança sai do coração dos homens,
só a revolução.
Quando alguém vai à Brasília, eu pergunto se viu o Congresso
Nacional, e pergunto, depois, se gostou; se achou que o projeto era bom. Certo
de que poderia ter gostado ou não, mas que nunca poderia dizer que tinha visto
antes coisa parecida.
Quando faço palestras para estudantes,digo que a arquitetura não é
importante,o importante é a vida.
Quando olho para trás vejo que não fiz concessões e que segui o
bom caminho. Isso é que dá uma certa tranqüilidade.
Quando projetei a casa de Oswald de Andrade e a fachada, em um
jogo de curvas e retas inovador, as diferenças de pé-direito a justificaram.
Quando uma forma cria beleza tem na beleza sua própria
justificativa.
Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o
que faz o concreto buscar o infinito.
Se eu fosse jovem, em vez de fazer Arquitetura, gostaria de estar
na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos. Mas, se isso não
é possível, limito-me a reclamar o mundo mais justo que desejamos, com os
homens iguais, de mãos dadas, vivendo dignamente esta vida curta e sem
perspectivas que o destino lhes impõe.
Sem ela -a intuição - não se faz nada. O ensino de hoje está
roubando a intuição das crianças. Um garoto de 10 anos pode ser capaz de criar
um painel fantástico. No entanto, ele é levado a lidar com esquemas prontos, a
obedecer aos professores, a cair na rotina. No fundo, ninguém entende de
Arquitetura, porque ela é subjetiva, tem mistérios e minúcias que não são dados
a revelar.
Sempre me senti atraído, desde jovem, pelas esculturas gregas e
egípcias, a Vitória de Samotrácia; gosto das obras de Henri Moore e Heepworth,
da pureza de Brancusi, das belas mulheres de Despiau e de Maillol, das figuras
esguias de Giacometti.
Sempre que viajava de carro para Brasília, minha distração era
olhar para as nuvens do céu. Quantas coisas inesperadas elas sugerem! Às vezes
são catedrais enormes e misteriosas - as catedrais de Exupéry com certeza. Outras,
guerreiros terríveis, carros romanos a cavalgarem pelos ares. Outras, ainda,
monstros desconhecidos a correrem pelos ventos em louca disparada e, mais
freqüentemente, lindas e vaporosas mulheres recostadas nas nuvens, a sorrirem
para mim dos espaços infinito
Sempre tive a idéia de que o dinheiro não vale nada. Já disse que
teria vergonha de ser um homem rico. Considero o dinheiro uma coisa sórdida.
Ser comunista é ser realista. A própria história da vida nasce e
morre, são os minutos que ela dá. Mas é uma razão para a gente andar de mãos
dadas, trabalhar.
Ser comunista, hoje, é ser um indivíduo simples, justo e
solidário. O mundo que está aí me preocupa. Quando as torres gêmeas desabaram
em Nova York, no 11 de setembro, eu tomava café em um bar do Rio. Vendo as
imagens na TV, pensei em como somos pequenos no Universo. O homem precisa tomar
consciência disso e parar de produzir injustiça
Sou pessimista. Não como Schopenhauer. Eu me identifico com a
linha do Nietzsche, do Sartre. A vida não tem perspectiva. O importante é a
gente estar dentro da realidade, saber que tudo é um minuto e não vale a pena
estar brigando. Sempre digo que todos têm um lado bom. Isso ajuda a viver. A
minha preocupação é ajudar as pessoas, ser útil, reconhecer que a vida é um espaço
curto e que estamos no mesmo barco. .
Tantos anos passados... E minha mulher, que levanta sempre muito cedo, volta
para a cama do lado esperando dar 8:30 para me acordar. Muitas vezes finjo que
estou dormindo só para ela ter o prazer de me acordar dizendo: - Oscarzinho,
são oito e meia
Todo brasileiro tem que gostar de samba, assim como de futebol...
Tive a época dos meus porres e da farra. Agora carnaval é só para assistir
Trabalhei muito, fiz meu trabalho na prancheta, como um homem
comum.
Urbanismo e arquitetura não acrescentam nada. Na rua, protestando,
é que a gente transforma o País.
Às vezes, é preciso a noite para surgir o dia. O inesperado comanda a história,
o mundo. Para pior ou para melhor. Lembro que estava em um restaurante conversando
com amigos na véspera de as torres de Nova York - WTC - serem derrubadas. Eu
falava sobre o inesperado, e no dia seguinte ele aconteceu, mudando tudo. Não
houve o Hitler? Agora não há o Bush? Um abutre. É péssimo. Tenho a impressão de
que a guerra é inevitável.
É tolice dizer que as coisas são imutáveis. Tudo pode ser mudado.
Só aquilo no qual acredito e certas convicções permanecem as mesmas.
No dia em que o mundo for mais justo, a vida será mais simples
Preocupam-me as desigualdades sociais.
Solidariedade justifica o curto passeio da vida.
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