GOVERNO DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO- SECRETARIA DO ESTADO DE
EDUCAÇÃO
DIRETORIA REGIONAL METROPOLITANA III- C. E. JOSE MARTI
2º sábado letivo – 15 de março de
2014
Nós dizemos não (Eduardo Galeano)
"Viemos de diversos países, e
estamos aqui, reunidos à sombra generosa de Pablo Neruda: estamos aqui para
acompanhar o povo do Chile, que diz não. Nós também dizemos não. Dizemos não ao
elogio do dinheiro e da morte. Dizemos não a um sistema que põe preço nas
coisas e nas pessoas, onde quem mais tem é quem mais vale (...)A bomba de
nêutrons, que salva as coisas e aniquila as pessoas, é um perfeito símbolo de
nosso tempo. (...)o ser humano não é nada mais do que um fator de produção e
consumo e objeto de uso; o tempo não é outra coisa que um recurso econômico; e
o planeta inteiro, uma fonte de renda que deve render até a última gota de seu
caldo. A pobreza é multiplicada para que a riqueza possa se multiplicar, e
multiplicam-se as armas que garantem essa riqueza, riqueza de pouquinhos, e que
mantém à margem a pobreza de todos os outros, e também se multiplica, enquanto
isso, a solidão: nós dizemos não a um sistema que nega comida e nega amor, que
condena muitos à fome de comida e muitos mais à fome de abraços.
Dizemos não à mentira. A cultura dominante, que os grandes meios de comunicação irradiam em escala universal, nos convida a confundir o mundo com um supermercado ou uma pista de corrida, onde o próximo pode ser uma mercadoria ou um competidor, mas jamais um irmão. Essa cultura mentirosa, que grotescamente especula com o amor humano para arrancar-lhe mais-valia, é na realidade a cultura do desvínculo: tem por deuses os ganhadores, os exitosos donos do dinheiro e do poder, e por heróis os "Rambos" fardados que cuidam de suas costas aplicando a Doutrina da Segurança Nacional. Pelo que diz e pelo que cala, a cultura dominante mente que a pobreza dos pobres não é um resultado da riqueza dos ricos, mas que é filha de ninguém, vinda no bojo de uma couve-flor ou da vontade de Deus, que fez os pobres preguiçosos e burros. Da mesma maneira, a humilhação de alguns homens provocada por outros não tem por que motivar a solidária indignação ou o escândalo, porque pertence à ordem natural das coisas: as ditaduras latino-americanas, por exemplo, fazem parte de nossa exuberante natureza e não do sistema imperialista de poder. O desprezo transforma a história e mutila o mundo. Os poderosos fabricantes de opinião nos tratam como se não existíssemos, ou como se fôssemos sombras bobas. A herança colonial obriga o chamado Terceiro Mundo, habitado por pessoas de terceira categoria, a aceitar como própria a memória de seus vencedores, e obriga-o a compor a mentira alheia para usá-la como se fosse a própria verdade(...). Somos opinados, mas não podemos ser opinadores. Temos direito ao eco, não à voz, e os que mandam elogiam nosso talento de papagaios. Nós dizemos não: nós nos negamos a aceitar esta mediocridade como destino.
Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, ao medo de ser(...). O medo se disfarça em realismo (...)Frente à indignidade, frente à miséria,frente à mentira, não temos outro remédio além da resignação. (...)No máximo, podemos aspirar a converter-nos em prisioneiros de bom comportamento (...)E neste estado de coisas, nós dizemos não à neutralidade da palavra humana. Dizemos não aos que nos convidam a lavar as mãos perante as cotidianas crucificações que ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta. Seria bela a beleza, se não fosse justa? Seria justa a justiça, se não fosse bela? Nós dizemos não ao divórcio entre a beleza e a justiça, porque dizemos sim ao seu abraço poderoso e fecundo. Acontece que nós dizemos não, e dizendo não estamos dizendo sim (...) nós estamos dizendo sim à luta pela democracia verdadeira, que a ninguém negará o pão e a palavra, e que será bela e perigosa como um poema de Neruda ou uma canção de Violeta Parra.(...)Dizendo não à paz sem dignidade, nós estamos dizendo sim ao sagrado direito de rebelião contra a injustiça e contra sua longa história (...)Dizendo não à liberdade do dinheiro, nós estamos dizendo sim à liberdade das pessoas: liberdade maltratada e machucada, Dizendo não ao egoísmo suicida dos poderosos, que converteram o mundo em um vasto quartel, nós estamos dizendo sim à solidariedade humana, que nos dá sentido universal e confirma a força de fraternidades mais poderosas que todas as fronteiras com todos os seus guardiões: nós estamos dizendo sim à esperança, à esperança faminta e louca e amante e amada (...)
Dizemos não à mentira. A cultura dominante, que os grandes meios de comunicação irradiam em escala universal, nos convida a confundir o mundo com um supermercado ou uma pista de corrida, onde o próximo pode ser uma mercadoria ou um competidor, mas jamais um irmão. Essa cultura mentirosa, que grotescamente especula com o amor humano para arrancar-lhe mais-valia, é na realidade a cultura do desvínculo: tem por deuses os ganhadores, os exitosos donos do dinheiro e do poder, e por heróis os "Rambos" fardados que cuidam de suas costas aplicando a Doutrina da Segurança Nacional. Pelo que diz e pelo que cala, a cultura dominante mente que a pobreza dos pobres não é um resultado da riqueza dos ricos, mas que é filha de ninguém, vinda no bojo de uma couve-flor ou da vontade de Deus, que fez os pobres preguiçosos e burros. Da mesma maneira, a humilhação de alguns homens provocada por outros não tem por que motivar a solidária indignação ou o escândalo, porque pertence à ordem natural das coisas: as ditaduras latino-americanas, por exemplo, fazem parte de nossa exuberante natureza e não do sistema imperialista de poder. O desprezo transforma a história e mutila o mundo. Os poderosos fabricantes de opinião nos tratam como se não existíssemos, ou como se fôssemos sombras bobas. A herança colonial obriga o chamado Terceiro Mundo, habitado por pessoas de terceira categoria, a aceitar como própria a memória de seus vencedores, e obriga-o a compor a mentira alheia para usá-la como se fosse a própria verdade(...). Somos opinados, mas não podemos ser opinadores. Temos direito ao eco, não à voz, e os que mandam elogiam nosso talento de papagaios. Nós dizemos não: nós nos negamos a aceitar esta mediocridade como destino.
Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, ao medo de ser(...). O medo se disfarça em realismo (...)Frente à indignidade, frente à miséria,frente à mentira, não temos outro remédio além da resignação. (...)No máximo, podemos aspirar a converter-nos em prisioneiros de bom comportamento (...)E neste estado de coisas, nós dizemos não à neutralidade da palavra humana. Dizemos não aos que nos convidam a lavar as mãos perante as cotidianas crucificações que ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta. Seria bela a beleza, se não fosse justa? Seria justa a justiça, se não fosse bela? Nós dizemos não ao divórcio entre a beleza e a justiça, porque dizemos sim ao seu abraço poderoso e fecundo. Acontece que nós dizemos não, e dizendo não estamos dizendo sim (...) nós estamos dizendo sim à luta pela democracia verdadeira, que a ninguém negará o pão e a palavra, e que será bela e perigosa como um poema de Neruda ou uma canção de Violeta Parra.(...)Dizendo não à paz sem dignidade, nós estamos dizendo sim ao sagrado direito de rebelião contra a injustiça e contra sua longa história (...)Dizendo não à liberdade do dinheiro, nós estamos dizendo sim à liberdade das pessoas: liberdade maltratada e machucada, Dizendo não ao egoísmo suicida dos poderosos, que converteram o mundo em um vasto quartel, nós estamos dizendo sim à solidariedade humana, que nos dá sentido universal e confirma a força de fraternidades mais poderosas que todas as fronteiras com todos os seus guardiões: nós estamos dizendo sim à esperança, à esperança faminta e louca e amante e amada (...)
(Julho de 1988, em plena ditadura do general Pinochet, 300 intelectuais
e artistas participaram de "Chile Cria", um encontro internacional de
arte, ciência e cultura pela democracia no Chile. Este é o discurso de
inauguração, que Eduardo Galeano pronunciou em nome de todos os convidados.)
Atenciosa e cordialmente
A Equipe Diretiva do C. E. Jose Marti
Lucia de J. Duarte
Diretora geral
do Colégio Estadual Jose Marti
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