GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO- SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO
DIRETORIA REGIONAL
METROPOLITANA III- C. E. JOSE MARTI
Sábado
Letivo – 29 de março de 2014
O INCÊNDIO DE CADA UM
A cena foi simples. Ia eu
passando de carro pela Lagoa quando vi na calçada uma moça esperando o ônibus
com seu jeans e bolsa a tiracolo. Nada demais numa moça esperando o ônibus. Mas
eis que passou um caminhão de som tocando uma lambada. Aí aconteceu. Aconteceu
uma coisa quase imperceptível, mas aconteceu: os quadris da moça começaram a se
mexer num ritmo aliciante. Já não era a mesma criatura antes estática,
solitária, esperando o ônibus na calçada. Ela havia se coberto de graça, algo
nela se incendiara.
A fotógrafa veio fazer umas
fotos. Estava com o pescoço envolto num pano, pois tinha torcicolo. E eu ali
posando meio frio, fingindo naturalidade, e ela cautelosa com seu pescoço meio
duro, tirando uma foto aqui, outra aIi, quase burocraticamente. De repente, ela
descobriu um ângulo, e pronto: se incendiou profissionalmente, jogou-se no
chão, clic daqui, clic dali, vira para cá, vira para lá, este ângulo, aquele,
enfim, desabrochou, o pescoço já não doía. Ela havia detonado em si o que mais
profundamente ela era.
Estamos numa festa. Aquele
bate-papo no meio daquelas comidinhas e bebidinhas. Mas de repente alguém
insiste para que outro toque violão. Aparentemente a contragosto ele pega o
instrumento. E começa a dedilhar. Pronto, virou outra pessoa. Manifestou-se.
Elevou-se acima dos demais, está além da banalidade de cada um. Achou o seu
lugar em si mesmo.
Assim também ocorre quando
vemos no palco o cantor dar seus agudos invejáveis, o bailarino dar seus saltos
ou o atleta no campo disparar seus músculos e fazer aquilo que só ele pode
fazer melhor que todos nós. Isto é o que ocorre quando o instrumentista pega o
sax e sexualiza todo o ambiente com seu som cavernoso e erótico. Isto é o que
se dá até quando um conferencista ou um professor entreabre o seu discurso e
põe-se como uma sereia a seduzir a platéia, como um maestro seduz todo o
teatro. Há um momento de sedução típico
de cada um. Quando o indivíduo está assentado no que lhe é mais próprio e
natural. E isto encanta. Claro, esses são exemplos até esperados. Mas há outros
modos de o corpo de uma pessoa embandeirar-se como se tivesse achado o seu
jeito único e melhor de ser. Digo, o corpo e a alma. Mas nem todos podemos ser
tão espetaculares. Nem por isso o pequeno acontecimento é menos comovente. De que estou falando? De algo simples e
igualmente comovente. Por exemplo: o jardineiro que ao ser jardineiro é
jardineiro como só o jardineiro sabe e pode ser. E que ao falar das flores, ao exibi-las
cercadas de palavras, percebe-se, ele está em transe. Igualmente o especialista
em vinhos, que ao explicar os diversos sabores nos quatro cantos da boca faz
seus olhos verterem prazer e embalam a quem o ouve com sua dionisíaca
sabedoria. Feita com amor, até uma
coleção de selos se magnifica. Se torna mais imponente que uma pirâmide se a
pirâmide for descrita ou feita por quem não a ama. É assim que pode entrar pela
sala alguém e servir um cafezinho, mas sendo aquele o cafezinho onde ela põe
sua alma, ela se torna de uma luminosidade invejável.
Cada um tem um momento, um
gesto, um ato em que se individualiza e brilha. Nisto nos parecemos com os
animais e peixes ou quem sabe com as nuvens. Animais e peixes têm isto: têm
trejeitos raros e sedutores, cada um segundo sua espécie. Até as nuvens, como
eu dizia, tem seu momento de glória . Uma vez vi um pintor em plena ação,
pintando. Meu Deus! O homem era um incêndio só, uma alucinação. Sua face
vibrava, havia uma febre nos seus gestos. Era uma erupção cromática, um assomo
de formas e volumes.
Então é disso que estou
falando. Dessa coisa simples e única, quando o que cada um tem de mais seu
relampeja a olhos vistos. Quando isto se dá, quebra-se a monotonia e o
indivíduo se transcendentaliza.
Pode parecer absurdo, mas já
vi uma secretária transcendentalizar-se ao disparar seus dedos no teclado da
máquina de escrever. Era uma virtuose como só o melhor violinista ou pianista
sabem ser. E as pessoas achavam isto mais sensacional que se ela estivesse
engolindo fogo na esquina.
lsto é o que importa: o
incêndio de cada um. Cada qual deve ter um jeito de deflagrar sua luz
aprisionada. As flores fazem isto sem esforço. Igualmente os pássaros. Todos
têm seu momento de revelação. É aguardar, que o outro alguma hora vai se
manifestar.
A Equipe Diretiva e Corpo Docente do C.
E. Jose Marti
Lucia de J. Duarte
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